Antes de mais nada um disclaimer: esse texto não é uma acusação nem defesa de nenhuma empresa, é apenas minha visão do mercado. Sou um grande incentivador do uso e disseminação do Software Livre, mas não me furto a usar software proprietário quando preciso ou acho mais produtivo. Isso posto, vamos ao texto.

A palavra Apartheid foi utilizada para descrever o regime de segregação racial na África do Sul por mais de 40 anos. Nessa época a minoria, branca, determinou, entre outras coisas, o fim dos direitos dos negros como cidadãos. Isso gerou uma série de embargos, conflitos e guerras. O regime de apartheid só terminou em 1994 quando houve uma eleição multirracial no país, onde Nelson Mandela ganhou as eleições.

Outro dia, após uma reunião, estava conversando com alguns colegas sobre o Software Livre e outros assuntos relacionados ao mercado de tecnologia. Entre outras coisas, comentei que gosto muito do design dos produtos da Apple (tanto software quanto hardware). Um dos colegas então comentou que não comprava nada da Apple porque, segundo ele, a empresa da maçã promoveria um "Apartheid tecnológico". Completou ainda dizendo que compraria um telefone com o sistema Android (que tem partes com Software Livre), mas não um iPhone pois o Google além de promover o Software Livre também deixava as pessoas usarem seus produtos de graça.

Eu fiquei pensando na afirmação do colega e tentando traçar um paralelo entre o governo sul-africano e a Apple para que, de alguma forma, conseguisse entender o que ele quis dizer com "Apartheid tecnológico". A única relação de "segregação" que eu pude estabelecer está no fato do preço dos produtos da Apple, em geral, serem acima da média dos demais fabricantes de hardware e isso faz com que o seu acesso não seja tão fácil para todas as camadas da sociedade.

Eu entendo que cada empresa, independente do ramo de atividade, tem liberdade para estabelecer o preço que achar justo para seus produtos. Por exemplo, peguemos a indústria automobilística: o que faz um Volkswagen Gol 1.0 zero Km ser mais caro que um Renault Clio 1.0 zero Km? Eu poderia dizer, sem medo de errar, que o prestígio da Volkswagen com o consumidor brasileiro é um dos principais fatores. Os dois carros são muito similares em funcionalidade, cada um se destacando em aspectos distintos, mas em suma, veículos 1.0 populares tendo um com preço maior que o outro.

Um iPhone tem funcionalidades semelhantes a um telefone com Android equivalente. Os dois são telefones, com funcionalidades semelhantes, mas um custa um tanto a mais que o outro. O que diferencia o preço de um e do outro então? Eu acredito que podemos atribuir, assim como no caso dos carros, que a Apple tem um prestígio maior (chame você como quiser) com o consumidor.

É claro que nas duas comparações acima existem outras variáveis. Preço de peças, qualidade dos materiais usados, impostos etc. Mas em geral os produtos se equivalem em qualidade, durabilidade, aparência e funcionalidade.

De volta à afirmação de que a Apple estaria promovendo um "Apartheid tecnológico". Essa afirmação te parece verdadeira se você pensar na comparação acima? Se sim, talvez fosse interessante você pensar em TODOS produtos disponíveis no mercado. Se essa afirmação é baseada em preço, então sempre tem alguém praticando algum tipo de "Apartheid", afinal sempre temos uma marca ou produto dominante no mercado, que custa significativamente mais caro que um similar. Ou você acha que Gilette é a úncia lâmina de barbear e Bombril é o nome oficial para lã de aço e que por isso eles são mais caros mesmo?

Outro aspecto que eu posso analisar na afirmação do colega é de que o Google estaria dando algo de graça para o usuário.

Ainda não conheço nenhuma empresa que não vise lucro. Assim sendo, tanto Google quanto Apple vão buscar vender mais para ter mais lucro. Talvez você nunca tenha percebido, mas ao usar um produto do Google, seja ele qual for, você está "pagando". Claro que você não está pagando isso com dinheiro (apesar de alguns serviços serem pagos), mas há um preço e um valor aí. Toda vez que você faz uma busca, diz para o Google o que você gosta ou gostaria. Isso gera estatísticas de tendência e/ou consumo. Gera informação. Isso é um dos bens mais caros do mundo, e você está dando "de graça" para o Google.

Não estou dizendo que você deve cancelar suas contas todas (eu tenho conta em praticamente todos os serviços do Google e gosto muito!), nem para que você entre no modo paranoico (apesar de conhecer alguns que entraram), mas não ache que algo é de graça só porquê você não está pagando com dinheiro.

Não creio que nem Google ou Apple estejam provendo nenhum tipo de "Apartheid". Ambas estão fazendo o que toda empresa faz: tentar ter lucro. O que diferencia uma da outra, a meu ver, é o tipo de mercado e consumidor que elas tentam atingir. O Google busca um mercado de massa. A Apple, busca um mercado de poder aquisitivo maior (que até pode ser de massa, mas menor). O Google é uma empresa fundamentalmente de software (ainda não produzem nenhum hardware para o grande público), a Apple é uma empresa, fundamentalmente, de hardware com software para dar suporte a esse hardware.

Afirmar que alguma empresa pratica uma política de segregação é ter uma visão um tanto míope do mercado. Empresas querem ter lucro e não importa se cliente é rico ou pobre, eles querem vender. Certamente há produtos que nem todos podem comprar, mas isso não é uma questão de segregação, alguns produtos são mais caros porquê os materiais ou o prestígio os fazem ser assim. E sejamos sinceros, hoje em dia qualquer pessoa compra um iPhone se quiser, não importando sua condição social, afinal em todas as operadoras você acha planos de iPhone parcelados em 12 vezes!

P.S: Tanto Google quanto Apple mantém projetos em software livre.